Realização: Sara Nunes Ideia Original: João Rapagão e Sara Nunes
O Primeiro Siza é um documentário sobre as Quatro Casas, a primeira obra de Álvaro Siza, concebida enquanto estudante, e o impacto da arquitectura na vida das pessoas. A partir do reencontro, 60 anos depois, entre o arquitecto e Fernando Neto, seu primeiro cliente e proprietário de uma das casas em Matosinhos, o filme revela como este projecto foi decisivo na sua carreira. Com entrevistas a Siza, aos habitantes das casas e ao crítico Francesco Dal Co, bem como imagens actuais e de arquivo, a narrativa mostra de que forma a arquitectura e a vida dos moradores se entrelaçam ao longo do tempo.






Outro Documentário de Álvaro Siza?
Nunca pensei em fazer um documentário sobre Álvaro Siza. Perguntava-me: o que mais poderia acrescentar que já não tenha sido dito, sobre um dos arquitectos mais influentes do século XX? No entanto, tudo mudou quando fui desafiada pelo arquitecto João Rapagão a filmar o reencontro entre Siza e Fernando Neto, o seu primeiro cliente, nas Quatro Casas – a sua primeira obra, um marco essencial na sua carreira. Esse reencontro revelou uma dimensão profundamente humana, nunca antes explorada: a relação entre o arquitecto e o seu primeiro cliente, as memórias e o significado daquela obra, 60 anos depois. Foi a partir desse momento que percebemos que havia uma história única a ser contada, e foi assim que O Primeiro Siza surgiu.
O documentário não se limita a revisitar o passado ou a examinar uma obra seminal de Siza. Ele mergulha nas Quatro Casas como um espaço onde o tempo se funde com as experiências humanas, transformando a arquitectura num elo vivo entre o projecto e as pessoas que o habitam. O que mais me impressionou durante o processo de filmagem foi a forma como a obra se entrelaça com as histórias de vida dos moradores, criando uma relação contínua e simbiótica entre o espaço e as pessoas. Cada elemento da casa, desde as escadas até o portão, carrega consigo um pedaço de história pessoal – um nascimento, um namoro, uma brincadeira, um concerto. Não se trata apenas de paredes ou tetos, mas de como esses espaços acolhem momentos únicos e significativos, capazes de moldar e dar forma à própria vida dos habitantes.
O que me surpreendeu profundamente foi também a maneira como o processo de projecto e de construção, com as suas tensões e contradições, contribuiu para a identidade da obra. Como o dilema da escada, que os carpinteiros temiam ser insegura, ou o conflito sobre a varanda, rejeitada por Siza, mas defendida pela família. Essas pequenas grandes negociações, esses desafios, tornaram a obra um verdadeiro laboratório de experimentação formal e construtiva. As Quatro Casas transformaram-se, então, num espaço experimental que não só reflectia a visão de Siza, mas também a interação constante e as escolhas feitas em colaboração com os moradores.
O Primeiro Siza não é apenas um documentário sobre a primeira obra de um grande arquitecto; é uma reflexão sobre como a arquitectura e as pessoas se entrelaçam, como o espaço pode ter um impacto profundo nas vidas, nas memórias e nas relações. A história que conta não é apenas a de um projecto, mas a de um processo, de escolhas feitas, de desafios enfrentados e de uma obra que foi, e continua a ser, o reflexo da vida humana dentro dela. Esse é o legado que queria explorar, que me fez mergulhar na história das Quatro Casas – não como um observador distante, mas como alguém que, através da câmara, tem o privilégio de testemunhar como a arquitectura se transforma num meio de integração entre o construído e as experiências humanas.
Nos dias de hoje, quando a crise da habitação domina as discussões e falamos constantemente em números – quantos fogos são necessários, quantas casas vamos construir – acredito que devemos, acima de tudo, questionar o tipo de vivências que queremos proporcionar nas casas que estamos a construir. Habitar não se resume ao número de fogos, mas ao impacto que esses espaços terão na vida das pessoas, nas suas histórias, nas suas relações. As Quatro Casas mostram como a arquitectura pode ser muito mais do que apenas uma solução habitacional – elas revelam como a casa é um lugar onde a vida acontece, onde as memórias se constroem e as relações se desenvolvem. O país que queremos construir começa dentro das nossas casas, na forma como as pensamos e como elas se conectam com as pessoas. É esta reflexão que me parece fundamental em tempos de crise: mais do que construir números, devemos pensar nas histórias que queremos que essas casas contem.
Durante o processo de edição do filme, fui questionada várias vezes sobre se não deveria dar mais destaque ao próprio Siza, em vez de me aprofundar nas histórias da família e dos moradores. Sempre acreditei que, ao comunicar a arquitectura, frequentemente retiramos as pessoas das narrativas. Retiramos as histórias, retiramos os moradores das fotografias, dos textos e das conversas, e depois nos perguntamos por que razão as pessoas não valorizam a arquitectura. Mas será que valorizamos as pessoas? A minha proposta foi justamente dar espaço a essas histórias. Porque, para mim, as famílias que habitaram as Quatro Casas, as suas memórias e o impacto que o espaço teve nas suas vidas, são tão protagonistas como o próprio Siza.
A comunicação da arquitectura não pode ignorar as experiências humanas. E, como na arquitectura, só conseguiremos fazer melhores cidades e uma melhor sociedade se estivermos todos juntos – arquitectos, moradores, cidadãos. As histórias das pessoas não devem ser vistas como secundárias, mas sim como a essência do que significa habitar e viver em um espaço. As Quatro Casas são o exemplo perfeito de como as escolhas de um arquitecto, as negociações ao longo do processo e as vivências de quem habita o espaço, se entrelaçam para criar algo que vai muito além do conceito físico de "casa". É uma verdadeira lição de como o espaço e a vida se fundem para criar algo verdadeiramente humano.
Sara Nunes (realizadora do documentário)
Documentário sobre a Primeira Obra de Álvaro Siza
Temas fortes:
Reflexão sobre como as Quatro Casas em Matosinhos foram fundamentais na trajectória do arquitecto Álvaro Siza.
Reflexão sobre o que significa ser arquitecto pela primeira vez.
Reflexão sobre o papel do arquitecto em 1957 e na actualidade.
Reflexão sobre a importância da arquitectura de qualidade na vida das pessoas.
Imagens e histórias exclusivas do encontro de Álvaro Siza com o seu primeiro cliente, Fernando Neto, e a sua primeira obra, mais de 60 anos depois.
Histórias exclusivas de como, através do desenho e da construção, Álvaro Siza inovava e desafiava os seus clientes, carpinteiros, a própria cidade e a imprensa, que não ficou indiferente à sua primeira obra.
O único projecto a que a prestigiada revista Casabella dedicou um número exclusivo, centrado numa única obra.
Testemunhos únicos de como a arquitectura da casa influenciou a vida dos seus habitantes.
[ Making-of ]





