[PODCAST]
Na quarta temporada, estivemos à conversa com os arquitectos Álvaro Siza Vieira, Samuel Gonçalves, Francisco Pinto, Francisco Pina, Maria Souto de Moura, Luís Caleiro, Diogo Brito, Graça Correia, Roberto Ragazzi, Pedro Bandeira, Filipa Guerreiro, Tiago Correia, José Carlos Nunes de Oliveira, Pedro Campos Costa, Teresa Nunes da Ponte, Tomás Salgado e Manuel Roque.
4.ª Temporada
Episódio 41
“A maneira como se olha para o arquitecto, de forma muito generalizada... é como uma peça inútil na construção, destinado a satisfazer o capricho dos ricos... Esquecendo com isso que o desenvolvimento da arquitectura e o arranque da arquitectura, a que chamamos moderna, tem a ver exactamente com uma função social do arquitecto e com o destino da arquitectura para todos, e não para ricos.” [Álvaro Siza Vieira]
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Sabe-se que, em 2019, mais de um milhão de pessoas visitaram o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Face ao aumento considerável do número anual de visitantes, das atividades realizadas e do reforço constante do espólio houve a necessidade de ampliação. Esta ampliação vai permitir não só aumentar e diversificar a oferta museológica e artística, mas também serão criadas áreas de arquivo e de reserva de colecções e acervos. A par do que já acontece na maioria dos museus de arte contemporânea europeus, que têm uma área dedicada à arquitectura, a Fundação de Serralves passará também a ter esse foco e sublinhará a importância da arquitectura no novo espaço da Colecção de Serralves e da Arquitectura. Logo no início da conversa, o arquitecto explica que uma das grandes preocupações deste projecto é a preservação da área verde do Parque de Serralves. Este novo edifício vai localizar-se na parte poente do Museu e será ligado ao edifício actual através de um “espaço-ponte”, completando assim um “percurso” entre o Museu, a Casa de Serralves, a Casa do Cinema Manoel de Oliveira e agora esta extensão. Ou seja, o jardim entra visualmente dentro do museu e a natureza cria em diálogo com a arquitectura do lugar.
Episódio 42
“Para este crescimento exponencial da população que, no fundo, se faz sentir um pouco por todo o planeta, a construção com os métodos tradicionais claramente não conseguirá dar resposta em tempo útil.” [Samuel Gonçalves]
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Durante a conversa, o arquitecto dará não só a conhecer o projecto, mas também desmistificará vários mitos que, neste momento, estão associados à arquitectura pré-fabricada. Ouvem-se, muitas vezes, relatos de pais que são confrontados com a falta de resposta no acesso a creches economicamente acessíveis e de qualidade no país. As novas creches na cidade de Lisboa são as primeiras de um programa para edificar 60 novos edifícios de ensino pré-escolar, em todo o país, e poderão ser a solução para um problema que se tem vindo a perpetuar, durante as últimas décadas. Duas das creches serão frequentadas por 84 crianças e as outras duas terão capacidade para 42 lugares, dando assim alento às famílias que, tantas vezes, têm de matricular os seus filhos ainda antes de eles nascerem para conseguirem ter uma vaga.
Episódio 43
“Obviamente isto é tudo ainda um termo relativamente recente – ‘habitação para rendas acessíveis’ – e as pessoas, por vezes, comentam: «ah, mas aquilo não parece nada habitação social», mas também não é, e também o objectivo era que não parecesse. As casas não têm de ser postas em caixas.” [Francisco Pinto]
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Para garantir que todas as famílias, sem excepção, tenham acesso a uma casa digna, vários países da União Europeia têm criado programas de habitação acessível. Porém ainda existem diferenças significativas no acesso a essa mesma habitação. Existem países da União Europeia onde a habitação social representa 5% do parque habitacional total. Em Portugal apenas 2% se destina à habitação social. Para contrariar esta realidade, a Câmara Municipal do Porto tem lançado concursos públicos que promovem a habitação acessível. O objectivo destes concursos é semelhante aos programas destinados à habitação social: garantir o acesso à habitação digna a preços compatíveis com os rendimentos do agregado. Porém, a crescente dificuldade da classe média no acesso à habitação introduziu uma falha no mercado habitacional: “a determinado momento, na cidade do Porto, por causa do boom do turismo, a classe média baixa, ou seja, os jovens casais chegaram a um ponto em que os seus ordenados não permitiam aceder ao mercado de arrendamento, mas também não estavam elegíveis aos apoios da habitação social”, contextualiza Maria Souto de Moura.
Episódio 44
“Gostamos de pensar que é algo que faça sentido para as pessoas e que não faça sentido só para os arquitectos, para a nossa gramática auto-induzida, para as nossas narrativas. Não. É para as pessoas.” [Diogo Brito]
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A cidade do Porto sempre esteve em permanente mutação, mas Campanhã tornou-se, ao longo dos anos, uma freguesia periférica. A desindustrialização contribuiu, em grande parte, para essa mesma segregação e criou um “vazio urbano” contrastante com o centro da cidade: “tínhamos a consciência de que estávamos a intervir num território... primeiro que já tem História, tem presença local, tem presença afectiva (...) no fundo, sabíamos que estávamos a intervir numa zona que é territorialmente segregada e economicamente carente”, lembra o arquitecto. Convém informar que, nos últimos anos, têm vindo a ser desenvolvidos alguns projectos que se assumem fundamentais para a regeneração desta zona da cidade, como é o caso do Terminal Intermodal de Campanhã, a criação do Espaço Mira e Mira Fórum e agora a reconversão do antigo Matadouro Industrial. Este projecto dos KENGO KUMA & ASSOCIATES é feito em parceria com os OODA.
Episódio 45
“A nossa profissão é de uma enorme generosidade. Tem que ser porque aquilo que nós deixamos no território é a herança que damos à sociedade, a todos.” [Graça Correia]
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As influências e aprendizagens entre uma arquitecta com raízes portuguesas e um arquitecto de origem italiana são várias. Graça Correia diz que a arquitectura italiana sempre a fascinou e muitas das suas referências foram consolidadas nas viagens que fez a Itália. Já Roberto Ragazzi notou que a arquitectura portuguesa não só tinha “escapado às coisas mais horríveis que o pós-modernismo tinha produzido, em todo o lado” como conseguiu sobressair, tornando-se “um exemplo em toda a Europa e no Mundo”. Após uma breve reflexão sobre as suas ligações culturais, Graça Correia e Roberto Ragazzi falam, em detalhe, sobre o Marechal 720 e como este projecto remete para “uma espécie de nova casa burguesa do Porto”. À “delicadeza”, em termos de proporção e escala, neste conjunto residencial, junta-se também a sensação de refúgio dentro da cidade: “Há uma grande quantidade de área verde, que cresce como uma espécie de árvore porque a impermeabilização parte da construção, que toca no chão (...). Isso permite que as casas também vão ganhando luz e vão conquistando área.”
Episódio 46
“No Verão, podemos virar a casa para Norte e, portanto, toda a superfície envidraçada da casa fica protegida do sol directo; e no Inverno fazemos o contrário. Podemos pôr a casa a acompanhar o movimento do sol (…), tentando aquecê-la com a energia solar.” [Pedro Bandeira]
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Trata-se de uma casa que gira em torno do sol. Como um “carrossel”, o seu comportamento varia ao longo do dia e das estações do ano. A casa pode girar até 300 graus em “seis minutos”, na velocidade mínima, e na velocidade máxima demora “12 a 16 minutos”. O arquitecto desenhou a Casa Rotativa, em conjunto com o irmão, Filipe Bandeira, engenheiro e proprietário da casa. Contrariando “a rivalidade histórica entre arquitectos e engenheiros”, Pedro Bandeira sublinha como a realização do projecto dependia do encontro de sinergias. O irmão, Filipe Bandeira, para além de ser um engenheiro de estruturas especiais, com conhecimento alargado em mecânica e motorização, também tem noções de programação e chegou a desenvolver um software capaz de fazer um sistema de rotação automático. Essa automatização acabou por não ser aplicada, pois mais do que “conforto térmico”, ambos ambicionavam “construir uma atmosfera”. A casa roda em busca da luz, da sombra ou, simplesmente, da melhor paisagem. Para isso, basta premir um botão: “Há ali qualquer coisa de infantil, de lúdico.”
Episódio 47
“Quando desenhamos casas ou desenhamos outras coisas, estamos sempre a fazer planos ou filmes ou argumentos... [pensamos] «bem, as pessoas neste momento estão assim, vivem assim, mas se tiverem filhos fazem assado e brincam assim», por isso nós fazemos uma panóplia de filmes... de argumentos para filmes e depois fazemos o cenário.” [Filipa Guerreiro e Tiago Correia]
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Em 2006, Filipa e Tiago fundaram o Atelier da Bouça que se localiza no Bairro da Bouça – projecto desenhado pelo arquitecto Álvaro Siza. Importa referir que, para esta dupla, a palavra “bouça” não assume apenas o significado que se costuma encontrar nos dicionários, mas lembra também o espaço da liberdade e da infância: “Partilhamos esta noção do espaço da bouça como um espaço em que nos divertíamos a brincar”, recordam. O CEIA foi um dos primeiros projectos a ter a assinatura dos arquitectos e representa, para ambos, “o início de uma identidade mais autónoma”, mas que ainda assim tem reminiscências desse passado “lúdico” e “infantil”. O edifício-sede da Paisagem Protegida do Corno de Bico encontra-se inserido no conjunto da antiga Colónia Agrícola da Boalhosa, obra da Junta de Colonização Interna em finais dos anos 50 do século XX. O interesse da arquitecta por este tema radica na sua história pessoal. Com vínculos familiares em Paredes de Coura, Filipa Guerreiro refere que, entre as décadas de 30 e 60, o regime de Salazar implantou no território nacional sete colonatos agrícolas. A Colónia Agrícola da Boalhosa foi uma das sete colónias.
Episódio 48
“E a utopia é voltarmos àquilo que é mais razoável, que resiste mais ao tempo. Aquilo que é mais natural, aquilo que é essencial resiste sempre.” [José Carlos Nunes de Oliveira]
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O concelho da Trofa, criado a 19 de Novembro de 1998, foi até o dia 5 de Novembro deste ano o único município do país sem edifício próprio para os Paços do Concelho. O arquitecto revela que esta era uma ambição de todos os trofenses: “uma parte dos serviços estavam instalados numa antiga moradia e outra parte concentrada num antigo centro comercial. O facto de se sentirem bafejadas pela sorte de terem uma casa comum foi uma alegria muito grande.”
O local escolhido para esta intervenção foi a antiga Indústria Alimentar Trofense. Tratando-se de uma fábrica abandonada, o programa exigia que se trabalhasse com “a pré-existência”. Porém, não havendo fundações estáveis, só “as naves industriais” foram aproveitadas. Para que a praça passasse a ser entendida não apenas como um espaço exterior, mas também como um espaço interior, o arquitecto quis garantir “visibilidade” em todos os serviços existentes no edifício. A ligação entre os espaços de trabalho e as áreas públicas foi feita em vidro: “Dividimos tudo em espaços transparentes de forma a que se tornasse efectivo esse contacto entre o público que quer saber quem o rege e quem lhe presta serviço.”
Episódio 49
“Porque os arquitectos têm esta coisa que... acham que arquitectura não é política. Eu tenho uma opinião diferente e é por isso que uso muitas vezes o [Sérgio] Bernardes como exemplo. Acho que a arquitectura é sempre política. Até se calhar muitas vezes ideológica (chega a esse ponto) e, portanto, os nosso valores têm de estar lá expressos. Os valores do arquitecto.” [Pedro Campos Costa]
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Antes de falar sobre o projecto, o arquitecto explica que onde agora se encontra o atelier Campos Costa Arquitetos houve, em tempos, uma padaria com fabrico próprio. Durante a pandemia, Pedro Campos Costa quis criar “uma relação com a comunidade” e fundou, também nesse local, a Antecâmara, uma rádio e uma galeria onde o tema principal é a arquitectura: “A rádio é [um meio para] tentar potenciar acesso a um determinado tipo de cultura, de conhecimento, que não chega facilmente às pessoas.” Tendo em conta a sua prática multidisciplinar, o arquitecto recebe influências de várias fontes e neste projecto, que desenvolveu no Brasil, isso também ficou visível: “Penso que este projecto é contaminado pela paixão, respeito e admiração [que tenho] pelos arquitectos brasileiros.”
Uma das figuras que mais destaca é o arquitecto Sérgio Bernardes. Estigmatizado por ter colaborado com o regime militar, Bernardes é descrito como um “anti-herói”. Hoje o seu percurso mostra como arquitectura e política são indissociáveis: “Os arquitectos acham que arquitectura não é política. Eu tenho uma opinião diferente e uso, muitas vezes, o Bernardes como exemplo.”
Episódio 50
“É um edifício que sempre foi muito próximo para nós. Sempre o víamos da janela, passávamos por lá... E esta proximidade permitiu isso... permitiu, durante o projecto irmos muito ao sítio... E, depois durante a obra, fizemos um acompanhamento completamente diário. Quer dizer, nós íamos todos os dias à obra. Tivemos uma arquitecta que praticamente só fazia isso. Foi, de facto, um projecto (como disse) de muita paixão e de muito trabalho. Nós dedicamo-nos, de facto, muito a este projecto.” [Teresa Nunes da Ponte]
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Logo no início da conversa, a arquitecta lembra que teve oportunidade de conhecer melhor o lugar com o historiador José Sarmento de Matos. A construção original remonta ao período pós-sismo de 1755. Há indicações de um edifício anterior, mas do qual nada restou após o terramoto. Após o sismo, o edifício passou por vários proprietários e teve diversas finalidades. Em 1910, foi adquirido pelo Conde de Verride: “O Conde resolveu fazer daquele prédio a sua casa e quis nobilitá-la”. Instalou uma escadaria curva num antigo pátio e criou um piso nobre no primeiro andar. Em 1986, Kees Eijrond começou a visitar várias vezes a capital e, anos depois, interessou-se pelo edifício. Graças à sua perseverança, conseguiu adquiri-lo “em 2010”: “Apesar de ter tido várias alterações, o edifício manteve sempre uma leitura muito clara e fácil de adaptar, o que é muito bom num projecto de reabilitação”. Ou seja, a arquitectura pombalina permitiu uma certa flexibilidade e deixou pistas para a transformação do espaço.
Episódio 51
“Porque achamos que, de facto, os edifícios têm de ser, antes de mais, para as pessoas se sentirem bem, para se sentirem confortáveis. Também se devem sentir surpreendidas, mas é fundamental que se sintam confortáveis.” [Tomás Salgado]
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Como se sabe, o Campeonato Mundial de Futebol de 2022 terminou no dia 18 de Dezembro. Desta vez, a selecção portuguesa ficou pelos quartos-de-final, perdendo contra Marrocos. O arquitecto Tomás Salgado sublinha a importância da arquitectura, da Cidade do Futebol, para o bom desempenho desportivo dos jogadores no Euro 2016, altura em que Portugal se consagrou campeão: “Eu acho que gerou um enquadramento totalmente diferente para a selecção nacional e, nesse sentido, sim, a arquitectura acho que foi mais um dos elementos que contribuiu para essa boa performance. Acredito que sim.” O desenho do complexo foi pensado estrategicamente ao ponto de condensar um conjunto de vários edifícios num só local e fazer desaparecer a evidência de rupturas. O resultado foi diluir a exigência programática de separação entre as várias áreas: “Quando fizemos o concurso, o programa falava em edifícios autónomos, separados entre si. Mas o terreno era tão apertado que nós tivemos de os encaixar todos uns nos outros, como uma espécie de lego.”
Episódio 52
“Eu diria que este edifício ou que este projecto – não é edifício porque são vários – é quase uma metáfora daquilo que é a própria cidade: é o encontro de várias realidades distintas. É o palco onde as pessoas se encontram.” [Manuel Roque]
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Um dos maiores desafios do projecto foi a transformação dos edifícios existentes em espaços com novas funções: “Era um programa bastante ambicioso (...) porque, no fundo, a grande ocupação do conjunto construído destinava-se à implantação de três escolas: o Conservatório de Guimarães [Escola de Música da Academia Valentim Moreira de Sá] (da Sociedade Musical de Guimarães), a Escola de Teatro e Artes Performativas e a Escola de Artes Visuais (da Universidade do Minho).” Esta última encontra-se na Garagem Avenida e funciona como “uma galeria de arte aberta à cidade”. Para além disso, o projecto albergou “as Bandas de Garagem” e “um programa autónomo com o Auditório”. O arquitecto recorda a complexidade do projecto e a sua necessidade de articular “os vários edifícios e os vários programas”: “Existe uma convivência entre estilos, materiais e tempos diferentes. Isso dá-lhe riqueza e não tem mal nenhum. Pelo contrário. O mal não está nas volumetrias. Eu não posso fazer algo com uma imagem de há 200 anos. Tenho de fazer aquilo que somos hoje. A história sempre foi feita assim. É um somatório. As pessoas vão acrescentando camadas. Desse ponto de vista, [o projecto] também exerce essa pedagogia.” Sugerindo o encontro entre várias realidades, Manuel Roque garante ainda que houve “um compromisso do edifício com a cidade”: “Eu diria que é quase uma metáfora daquilo que é a própria cidade (...). É o palco onde as pessoas se encontram.”
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